MACONGÍADAS – Canto Quarto

I
Desde então muitos anos já rolaram
Sobre nós mil desgraças se abateram!
Nenhum dos maconginos as narraram,
Nem tão pouco nenhuns as descreveram;
Ninguém com tinta e génio as relataram
- Dores e lágrimas que sempre bem esconderam – !
Por isso, uma vez mais aqui estou eu
P’ra contar como tudo aconteceu!

II
Sobre o reino caíra a letargia
Bem como já um certo esquecimento
Que se ia acentuando dia a dia,
Imbuído de saudade e sofrimento!
Faltavam novo fôlego e energia!
Havia que trazer-lhe algum alento!
Em hora benfazeja ele apareceu
E logo, logo tudo renasceu!

III
O Carlos que é também Victória Pereira,
Por achar ser mais chique e de bom tom,
Mudou o nome da família inteira
P’ra ser antes, porém, Mac-Mahon!
Após alguns anitos de canseira
Resolvera voltar a porto bom,
Trazendo em vez da capa e da batina
Um canudo – doutor em Medicina!

IV
E numa jantarada de homenagem,
Co’o Saraiva, Fontoura e o Rogério
O Carlos preparou esta mensagem
(Logo, ali, acatada bem a sério,
Achando boa ideia tal critério):
Que os festins seriam repetidos
E, de vez para vez, mais concorridos!

V
A par de tudo, havia que lutar,
Num desejo par’cendo veleidade,
- E muitos se deixaram arrastar,
Varrendo lés a lés toda a cidade,
Como vento veloz, sempre a soprar,
Num crescendo de força e ansiedade –
P’lo que era desejado e lhe faltava:
O Ensino Superior que a Huíla esperava!

VI
O Rei fora forçado a abalar;
Sua função, até, diminuída,
Mas logo que os arautos foi escutar
Tratou de se empenhar e, de seguida,
Ceptro real tornou a empunhar!
A conselhos sagazes deu guarida
E com a “malta fixe” a aprovar,
Em 70 o Saraiva nomeou,
Vice-Rei que tão bem desempenhou!

VII
Este, então, de mãos livres, já liberto,
Tratou de dilatar o reino seu!
Como era muito fino e muito esperto
Com mestria e saber o engrandeceu!
Criou à sua volta e deu bem certo,
Com um ardor que nunca feneceu,
Sobas fiéis a quem deu mil sobados,
Novos Duques, Barões são nomeados

VIII
Que, pouco a pouco, ergueram a nação!
A côrte até às damas foi aberta
Dando ao reino, afinal, maior expressão!
Quando a trica, que vem de parte incerta,
Começa a semear a confusão,
O melhor a fazer é estar alerta!
Em Luanda qu’ria o Rei a capital,
Decisão que, por certo, caiu mal!

IX
Devido à efervescência assim criada,
D. Caio, o Vice-Rei quis demitir!
Tal atitude, por todos criticada
E que ninguém havia de aplaudir,
Tornou a Academia turba irada
Tal bomba preparada p’ra explodir!
Se do Rei o intento fosse além,
O reino ficaria sem ninguém!

X
Porém, tudo acalmou quando o bom senso
Se sobrepôs àquela confusão!
D. César retratou-se e se bem penso,
O Vice-Rei, agia com razão!
Depois deste período triste e tenso
De mágoas se limpou o coração!
Fez-se, depois, festejo bem bonito
Preparado p’lo Farrica, no Lobito!

XI
Como era de prever, já de antemão,
Os velhos Professor’s foram partindo,
Depois, de geração em geração,
Novos valores se foram exibindo,
Como Mestres que deram sua mão,
Ao bom caminho a muitos conduzindo!
Maconge, assim, expandia sua glória,
Mais umas linhas de ouro em sua História!

XII
Quer minuto a minuto, dia a dia,
Tant’outras aventuras se viviam,
Soprando um frenesim na Academia
Que todos experimentavam e sentiam
Num culto de Amizade e de Alegria
- A regra porque todos se regiam –!
De lés a lés bramiam fortes ventos
Tornando os maconginos uns portentos!

XIII
A grandeza do Reino era exigente,
E forçava a criar a sua lei!
E foi assim que, quasi de repente,
O nosso amado Caio – grande Rei –,
Impulsivo quiçá, também prudente,
Movido por si próprio e pela Grei
Ordenou a feitura, co’atenção,
Da base de uma sã Constituição, (*)

XIV
Mas houve novo embate, desta feita,
Estando o Vice-Rei com toda a malta,
Pois a César tomara por desfeita
Que seu filho varão – tremenda falta –
Fosse afastado, longe da ribalta,
Se a morte, disfarçada de maleita,
Viesse p’ra cumprir o seu destino!
Mas seu filho nem era macongino!

XV
Depois de discussão e palratório
Achou-se que a D. Mário e a D. Silveira (**)
Só era permitido – obrigatório –
Concorrerem os dois, de igual maneira!
Acabou-se, por fim, o falatório,
Acabou-se, por fim, a chinfrineira!
Corrigiu-se, por isso, o que era mal,
Com decisão deveras curial!

XVI
Também nestes debates se assentou
Que além destes, tant’outros, se quisessem
O trono, que a celeuma levantou,
Podiam ocupar, desde que dessem
As provas que o passado alicerçou,
P’ra que, ali, as disputas logo cessem!
E, de novo, voltou a calmaria
Por todos recebida co’alegria!

XVII
Mas nem tudo era farra ou só Entrudo!
Havia muito mais do que aparência!
Forçoso era criar bolsas de estudo
Para os pobres de viva inteligência!
Ajudar sim, ajudar mesmo em tudo,
Suprindo, se possível, a carência!
Um lema a que Maconge não fugiu,
Um lema que, aliás, sempre cumpriu!

XVIII
Varrida por lufadas de bom ar,
Já se divisa enorme sementeira
Que o reino teimará em alargar,
Cobrindo, pouco a pouco, a terra inteira!
Outros, por exemplo, o Arrimar,
Mudaram-se p’ra China, tão estrangeira
E arrostando até com o que era mau,
São bem Maconge em solo de Macau!

XIX
O futuro, porém, fero e cruel,
Preparava p’ra nós, – oh quem diria –,
Disfarçado de sonhos e de mel,
Arrotando à mais vã democracia,
A partida tão vil que conteria
O travo bem amargo que há no fel,
Roubando (que tragédia que isto encerra!)
Angola Portuguesa – a Nossa Terra! –

XX
Depois o caos, a guerra, o desvario
Caíram sobre o povo macongino!
P’ra muitos, um caixão soturno e frio;
Mas outros, bafejados p’lo destino,
Apesar do tremendo desatino,
Puderam afastar o negro trio,
Talvez por ser diferente a sua sorte:
A Fome, a Peste, sem faltar a Morte!

XXI
A trágica diáspora nasceu,
Embora em todo o mundo, mais aqui!
Mas Maconge, porém, não esmoreceu,
Por tudo o que já sei e p’lo que vi!
Mais desgraça nos ombros se abateu
Dando tristeza que também senti:
Morreu o Rei, de dor e de revolta!
Mas paira a sua sombra à nossa volta!

XXII
A dor, a pouco e pouco mais esbatida
Parecia como um sonho de mau sono;
Era preciso prosseguir na vida
E encontrar quem ocupasse o trono!
E nas Côrtes de Coimbra é decidida
Escolha dum rei activo e não um mono!
Como uma só voz se levantasse
Pediram ao Saraiva que aceitasse
Todos queriam, num coro bem perfeito,
Que Saraiva, monarca fosse eleito!

XXIII
Este, porém, num gesto de humildade,
Não aceitou tamanha distinção!
Provou ser bem modesto e sem vaidade
Quando tomou tão sábia decisão:
Vice-Rei só, enquanto a sanidade
Da sua alma e corpo tem na mão!
P’ra governar o mundo macongino
Era capaz, sagaz, de muito tino!

XXIV
D. Roberto, talvez como excepção,
O trono de seu pai não quis tomar,
Declinando – que boa solução
Por tudo resolver, facilitar –
No outro candidato, a votação
Que a seguir se viria a efectuar!
Por isso, D, Saraiva volta à liça,
Figura alta, esguia e inteiriça!

XXV
Haveria um só Rei e mais nenhum!
Vice-Reis sim, assim ficou assente!
D. Caio era sempre o número um,
A figura de proa, o eminente!
Não existe acto algum, mas mesmo algum,
Que, em retrato, não esteja ali presente,
Parecendo que escutamos sua alma,
A todos transmitindo a sua calma!



(*) Nas Côrtes Gerais, de 1971, fez-se a aprovação da Lei Fundamental do Reino.
(**) D. Roberto Silveira já julgado e considerado Macongino Honoris Causa é, nas mesmas Côrtes, elevado à categoria de Príncipe Real.

Obs.: O Rei faleceu em 1977 e as Côrtes reuniram-se, em Coimbra, em 1978.