Trovas do Exílio - VI

Quando a tarde passar, na comboiada frota
com grande alarido em verso cantada
achareis os maconginos que a tão remota
terra aveirense agora vão de abalada.
Qualquer então consigo cuida e nota
nos sobados a praxe mais ousada,
e como os que de fora do Reino cresceram
sem a força da tradição que outros conheceram.

Vede quantas carruagens nesta viagem
que fazemos, transportam as subidas
ideias que em outra distante paragem
foram pelos antigos veteranos concebidas.
E do primeiro comboio que passagem
faz agora por estas terras insofridas
nós faremos de improviso em tempo incerto
um épico canto sem limite certo.

Na Ceia-Grande de Aveiro se viu
velhas e novas gentes d'outra enseada
onde o Caculovar se enchia, nem outro rio
tanta fama logrou ver por si apartada.
O Duque do Chaungo tomado de súbito frio
à pipa do doce néctar deu uma olhada
pois a costa de corsários estava cheia
donde já se via latejar a tinta veia.

Os Sobas e Macotas liam já os sinais
que no fundo dos copos o macau deixava ver
e as libações a Baco eram cada vez mais
com o líquido santo sem parar de correr.
Lindos eram os olhos das Vestais
onde transparecia a felicidade de poder
abençoar os antigos Bispos do Liceu
onde, por tanto tempo, o chicoronho acorreu.

Os filhos do Mondego a capa escura
sobre os ombros trouxeram e cantaram
por memória eterna e mui segura
o fado de Coimbra que ali transformaram
em tributo precioso de fonte pura.
Agradeceram os maconginos e choraram
por ouvirem a balada e o fado com fervor
porque eram belos os versos de amor.

Levantando-se o estrangeiro rubicundo
a gaguejar na língua hispana
nos disse: A vós que sois d'outro Mundo
da longínqua e formosa terra angolana,
eu vos testemunho o prazer profundo
de quem vindo da pátria peruana
tanta amizade junta nunca viu
nem tão forte comoção sentiu.

Do Porto a embaixada com seus instrumentos
que pelos etéreos paços vão soando,
no Sobado tocam doces lamentos
que a todos vão suavemente reconfortando.
Um súbito silêncio atordoou os ventos
pois o Barão das Cordas Lisas murmurando
palavras muflas com súbita euforia
inseriu-as no fado com real mestria.

Trouxe o filho de Camuhóque do Céu
o fogo que acendeu no peito humano
quando de improviso a sala dele recebeu
as palavras do Guerrilheiro sem engano.
Assim o Soba comovido agradeceu
o novo título, e o Vice-Rei ufano
ordenou que para sempre a humana geração
recordasse essa nova e nobre condição.

O Barão do Tchimpumpunhime com a vaidade
que com equilíbrio lhe modela a fantasia
leva o Povo ao seu palácio onde a qualidade
da sua bela garrafeira surpreenderia
até o Deus Baco (oh! Leviandade!)
O líquido que borbulhar ali se via
era tanto e de tão estonteante sabor
como não havia em África, Pérsia e Cananor.

Vimos estar todo o Maconge determinado
em fazer de Aveiro terra gentia
um novo e distinto Ducado;
e ao seu Soba Grande, o valoroso Chibia,
Duque do Chaungo, ser-lhe dado
o título por mor de sua valentia.
Que os Trovadores cantem em lindo verso
por todo o Reino ora tão disperso.

E sendo assim, que a explosão da amizade
entre nós maconginos sempre aconteça,
pois estaremos prontos na adversidade
que por guerras à Grei se ofereça,
e o nosso Rei, D. César da Silveira, há-de
da parte incerta onde quer que permaneça
abençoar a nossa boa gente
em plaga estranha abandonada infamemente.

O Duque do Chaungo, forte ficara
imitando os antigos nobres na ousadia
de quem por bem já há muito experimentara
em Grandes Ceias que o tinto tingia
de rubra cor; e o muíla batucara
em honra do dilecto filho da Chibia,
e mais quando os do Lubango em vão tentarem
sorver mais do que ele, e longe ficarem.

A corneta de chifre de olongo num lamento
imagem da guerra fez nos ares;
o som bélico daquele instrumento
que os deuses africanos d'outros lares
abençoaram em feliz momento,
confundiu o caputo (nos seus) esgares
porque não compreendia o cerimonial novo
que ali fazia o macongino povo.