Crónica da Ceia de Alte 2005

De Alte querem que digamos
Dos desencontros que encaminham
Os colegas a Maconge, e vejamos
As amizades dos que não definham.

É mais que tarefa árdua.
Antigos e novos companheiros,
Sulcam-nos fundo a tábua
Das vivências, que fogueiros.

Ardem, em cada Ceia, caprichosas
Lendas, amores, desideratos,
Abensonhados, são factos.

Achas de respeito, orgulhosas,
Revivem, cumprindo a tradição:
"Que em Maconge sejas meu irmão"

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Então, aí vai o dito relato,
Do que nos foi dado apreciar,
Não é de perto nem por alto,
Tudo o que queríamos falar.

Para o repasto a nobreza
entrou em fila, chamada,
cantou co'a plebe, sem tristeza,
o Hino da malta afamada.

Continuando a cronicorum
da farensis cena, abastada,
passemos em revista, um a um,
os gastronomicus e a regada.

Alentejano de raça e casta,
O tinto a provar se deu,
De menos mau paladar, arrasta,
E ao Bispo lá o convenceu.

Com a benção do vinho, enlevada,
D. Giraldinus e D. Ananáz,
solenes, deram a ceia iniciada,
p'ra tanto fosse o vinho capaz.

Bebam tinto e mijem branco,
mantendo linha, lábia e lata,
não fique ninguém bronco,
que saia afinada a cantata.

Depenicando as entradas,
Normais, com cenoura algarvia,
Se falaram nas estadas,
De quem há muito se não via.

Mais logo se ouviu um bruá,
De nobres e plebeias bocas.
A fome apertava, um ah!
"Nunca mais veem as sopas.

"Por fim apareceu a dita,
Correndo à mesa dos Senhores.
O cheirinho passava na guita,
E nós salivando, sonhadores.

Degustaram-se umas colheradas,
Não foi coisa de grande monta,
Logo ficaram aparelhadas,
As gustativas, da malta, pronta.

Da noite o primeiro viró-vira,
Em silêncio, com emoção.
A lembrança, ninguém nos tira,
Dos que em parte incerta estão.

Por eles fomos acompanhados,
Pensámos todos, no relembrar,
De feitos célebres, sonhados,
De audazes páginas a recordar.

Do repasto só há a apontar
Uma ou outra coisa que falte.
Não, do vinho não torno a falar,
E do seviço, digamos, é Alte.

E como nem tudo foram rosas,
Nas entradas não houve queixumes,
Só o burburinho, das cem prosas,
Findou, com boa sopa de legumes.

Com o primeiro vira já feito,
Foi a vêz do Gadus Morhua, o mau,
Prato bem servido, feito ao geito,
Que em espanhol se diz bacalao.

Em italiano é baccalá,
E vá lá saber-se em que nau,
Ao vir de lá para cá, sei lá,
Se baptizou em português, bacalhau.

Dito, em pratos limpos, sem patranhas,
Foi bem servido e bom o bacalhau.
O que não vimos foram as castanhas,
Do perú apresentado, nada mau.

Que elas andavam arredias,
No Algarve já se deu que falte,
O que não sabiamos era das vias,
Que não as quiseram levar a Alte.

No entanto deram-nos surpresas,
De fruta, natas, mousse e pudim,
Confeccionadas as sobremesas
Com esmero, servidas até ao fim.

E para a ceia ceada ficar,
Noite alta, o caldo-verde, qual ouro,
Salgadinhos, rissóis, pasteis de chorar,
Do estômago, que ajudouro.

Já a Regional ceia se alongava,
confraternizando os maconginos,
o Chefe do Protocolo chamava
para falar, alguns meninos:

O bardo do Reino, D. Arrimar,
Do livro "Planalto dos Pássaros"
Leu-nos histórias de encantar.
Comprem, não sejam "ávaros".

Assim poderão conhecer
A origem da palavra Huila,
Que a pássaros se fica a haver,
Um é Otchi-ila, muitos e-ila.

Pássaros lindos, é bom de ver,
Raiados, cantadores, aos milhares,
O capitão-mor ficou a saber,
A Huila, planalto de bons ares.

O notabilíssimo Zé Frade,
Bardo de primeira apanha,
Mostrou-nos como a alma arde,
Que poeta, que musa tamanha.

Em curta e sincera alocução,
Exortou dedicada amizade.
Disse o que lhe ía no coração
Macongino, que raridade.

Do poetaço Valério,
De bardo as veias reveladas,
Se falou, foi mistério,
Riu a ceia às gargalhadas.

Bem dispostos os convivas,
o orador ouviram, com atenção,
as memórias que tem cativas,
bem no fundo do coração.

Do Soba de Faro a surpresa,
Na entrega de presentes.
O nosso Valério foi a presa,
No gozo discreto das gentes.

Recebeu o "Jornal o Padrão",
Nos idos de setenta o director,
Do Frade, um com admiração,
Do Soba, isto é prenda sim senhor.

Ao Vasco Homem não foi pouca,
A surpresa que lhe causou,
Poder ver sua alta voz rouca,
De boca aberta a foto fixou.

O Zé Peyroteo e as fangices,
No seu bólide era um tigre,
Daí que não houvesse pieguices
No cognome "Marquês da Roda Livre".

Outro corredor, o Arvela Franco,
Prego ao fundo, aí vou eu,
Saiam da frente, arde-me o banco,
Ganho, nem que vá a empurrar o pneu.

Maconge em festa, é de todos,
Quer seja kandengue ou cota,
Há sempre alegria a rodos,
Nunca cá falta a risota.

Um brinde especial se fez
Ao Tiago, aniversariante.
Ao tinto não se roga de vez,
O nóvel macongino, radiante.

É um companheiro de tertúlia,
Bem selectivo na escolha.
Não gosta, defende-se com fúria,
É compincha p'ra toda a rolha.

E o Tiago até que sabe,
Das ceias tirar parte.
Concentrado ouve a arte
Dos fados, que bem sabe.

Um brinde também se fez,
Ao Júlio, que aniversariou.
Um ano de cada vez,
Lavrado, que bem lavrou.

Trazendo sua simpatia,
Veio à ceia, desde a Humpata,
Integrando com galhardia,
A rija festa, nunca chata.

Festa não há sem cantoria
e prá malta desafinar
cantou-se forte a melodia
"mulher minha", a acelerar.

De semifusas e colcheias,
Em sonoros acordes dedilhados,
Há sempre hora nas ceias,
De ouvir uns fados encantados.

Veio o fado coimbrão
Ageitadamente cantado,
Por D. Giraldinus e ao violão,
Rouquinho e, vá lá, afinado.

Bem se rebelou o Rocha,
De só o quererem a fadistar,
Ele sabe muitas e gosta,
É das modinhas d'embalar.

O Rui Brazão, bem ao seu geito,
Com alma foi fadistando.
O Victor Arrimar trouxe no peito,
Perfumes de Angola, amando.

Duas ou três se cantaram,
Em acordes comandados,
Foi envolvente, todos vibraram,
Com seus altos dotes roucados.

Dos ilustres, há muitos de quem falar:
Do Lubango, a Grã Duquesa,
Do bardo do Reino, D. Arrimar,
E do Paulo Jorge, uma surpresa.

Da Conselheira de Estado,
Do Ministro dos Sobados,
Do bispo D. Ananás, fadado,
Do Tesoureiro, dos trocados.

Duquesa de Gargântua, mui fina,
Principe Real de Maconge,
Marquesa de Tartária, flausina,
D. Giraldinus Rocha, o monge.

Do Chefe do Protocolo,
Do Soba organizador,
A todos um chipólolo,
Ah!, e ao Paulo Salvador.

De todos teria muito a dizer,
Porém, nem sempre tenho vontade,
De andar pr'aqui a bem-dizer,
Das patifarías da mocidade.

E para não ficar "Insonsorum",
Fazendo até um intervalo,
Pergunto ao Duque Veteranorum,
Que história é a do cavalo?

O doutor Farrica foi consultar,
Alguém com grande maleita,
E depois de muito o auscultar,
Vão quinhentos tijolos de receita.

E para em beleza terminar,
De um certo macongino e senhor,
Do futuro Doutor vamos falar:
Do Conde do Chiôco, o Sonhador.

Das guerras e interesses das nações,
Nos escravos e riquezas d'África,
Tudo contado até aos Barracões,
História, paixão, que prática.

De herois madeirenses, os primeiros,
Deu-nos o "Higino" lição.
E dos boeres aos mapundeiros,
Futuros chicoronhos, que emoção.

Cento e vinte anos se festejam,
Neste ano que passa, e é raro,
Encontrar dois povos que estejam
Tão irmanados, que desgarro.

É bom saber da nossa história,
Muhuilas, portugueses, angolanos,
Saudando em nossa memória,
Quantos sofreram enganos.

Indígenas e colonizadores,
Vítimas de estratégia real,
Arranjos, interesses, horrores,
Fora do nosso comum ideal.

E assim, caros maconginos,
Se passou a Ceia de Alte-Faro.
Para isto tem dotes o "Higino",
Tem linha, lábia, lata e faro.

Aqui damos, por fim, terminada,
Esta longa lenga lenga rimada.
Não nos façam nova chamada,
Não há pachorra p'ra mais nada.

O Zé Frade se despede,
Katé, caros maconginos.
Já o Valério só pede,
Boa-ventura pr'os meninos.

Dos "Bardos de Capangombe"
Destes dois alegres madraços,
Até ao proximo encontro, onde
Recebereis fortes abraços.